6/26/2009

Desabafo de quem tem que fazer revisão de projeto

"Todo mundo tem uma tese, ou mais de uma. Em geral as pessoas defendem suas teses. Alguns as defendem nos botequins, outros nos campos de batalha. Tem gente que invade países remotos para defender a tese do desarmamento, depois tem que se debater na TV para explicar que não encontrou as armas. Existe um tipo de tese defendida na academia, perante banca. Este tipo precisa de texto, reside nele. Acontece que esse texto precisa ser bom. Então surge um problema: a pessoa passou anos se ocupando de tanta ciência que cai nas armadilhas da língua. Aí o autor acaba tendo que defender o texto e não a tese. Claro, todos leram muito. Leram em diversas línguas. Escreveram bastante também. Mas quem leu não estava assim tão preocupado com o texto. A tese era mais importante. Tese a ser apresentada em texto para a defesa. Tese e texto se confundem. Não há como defender um se tem que defender o outro. O grande aliado do texto da tese é o revisor: personagem obscuro com a função de defender o texto. Sobra só a tese para o autor defender. A tese que vai para defesa assinada pelo revisor tem aval de autoridade sobre texto. "
Públio Athayde

Do blog da Editora Keimelion com o título Defendendo o texto

6/21/2009

A metáfora da escrita nômade

Os nômades são divididos, em basicamente, dois grupos distintos, os caçadores-coletores e os pastores. Ambos não têm uma habitação fixa e permanentemente mudam de lugar. A partir do comportamento desses grupos sociais, farei uma analogia com a leitura e escrita nos suportes tradicionais e no ciberespaço. Para pensar na produção literária e leitura em espaços tradicionais, também pegarei com exemplo os agricultores que se mantêm fixos em um determinado lugar onde se cultiva a terra, usam técnicas pré-estabelecidas e produzem dentro das limitações do solo em que certos tipos cultivos não são possíveis.

Com base na relação com o plantio, a definição hierárquica das habilidades e o convívio social, é formada a “cultura” dessas comunidades. Observando a cultura, como um sistema de símbolos compartilhados com que se interpreta a realidade e que dão sentido à vida dos seres humanos, nessa situação ela estaria estruturada e diretamente ligada ao espaço de convivência, aqui, fixo e estabelecido.

O processo de escrita e leitura dos símbolos disponíveis nessa comunidade, é estabelecido pela quantidade de tipos de “textos” a que se tem acesso; o espaço limitado pelo qual se trafega, como o texto impresso, que embora a leitura nos possibilite um tipo de navegabilidade ao criar conexões mnêmicas com o nosso repertório, por “requerer movimentos cooperativos, conscientes e ativos da parte do leitor” (Eco, 2004), está preso ao suporte, o livro; pela forma e o contexto da apropriação simbólica.

Os nômades, embora não tivessem habitação fixa e mudassem constantemente de lugar, ignorando até as fronteiras nacionais, seus percursos não podem ser considerados, de todo, errôneos, pois eles sempre estavam à procura de novos espaços que suprissem suas necessidades. Os nômades caçadores-coletores normalmente não possuem estruturas sociais hierarquizadas e não desenvolvem nenhum tipo de cultivo; suas habitações são construídas com materiais encontrados na natureza, bem como a alimentação que pode variar de acordo com o tipo de plantas e caça disponíveis no espaço e tempo em que eles estão. Conquanto façam uso de objetos como a cerâmica, essas comunidades não os produzem, sendo obtidos por meio de trocas.

Diferente dos agricultores que tem a cultura formada em um espaço definido e um contexto pouco mutável, a formação cultural dos nômades é baseada nas trocas simbólicas; na apropriação de traços da cultura de outros povos, como no uso de objetos que foram produzidos por integrantes de uma comunidade completamente distinta da sua e re-significado em um novo contexto; há uma ruptura das barreiras espaciais e temporais, como mudassem de um lugar ao fim da estação, buscando sempre uma região que estivessem no período do verão.

Sendo assim, a escrita nômade se dá em espaços imprevisíveis e indefinidos, através da colaboração, apropriação e re-significação, como se em cada lugar que o grupo se estabelecesse, por certo período, deixasse escrito na pedra um fragmento de texto, que seria completado em outra pedra em outro lugar e assim sucessivamente. Já a leitura desse hipertexto dificilmente seria percorrida da mesma forma com que foi escrita, pois não um mapa indicando o caminho da leitura, no entanto se tornaria mais significativa no momento em que o leitor complementasse o fragmento de texto encontrado na pedra, com a produção de outro texto em outra pedra e em um lugar diferente, conectando-se a pedra anterior.

Assim, “conexões e reinterpretações serão produzidas ao longo de zonas de contato móveis pelos agenciamentos e bricolagens de novos dispositivos que uma multiplicidade de atores realizarão” (Lévy, 1993). Mas nem toda leitura hipertextual produz conhecimento ou experiência significativa, o ciberespaço não fará tudo pelo leitor, assim como existe o nômade caçador-coletor, há também o nômade pastor, que sai em busca somente de pasto para seu gado e não de novas experiências.

Não um há como definir qual tipo de experiência, se com o texto escrito ou com o texto no ciberespaço, é mais significativa, pois elas se dão em diferentes espaços e tempos distintos. Assim com o agricultor tem sua experiência voltada para o conhecimento do solo, do tempo e das técnicas de plantio, o nômade tem o conhecimento embasado na mudança, na descoberta de novos espaços e percursos que ele constrói.

Robert de Andrade Oliveira

6/18/2009

Corpo Fechado


A doença em minha vida foi se embora
não deixou rastros e bateu o portão
a febre que causava não me cabe mais.


Os meus olhos cessaram de lhe procurar em
todos os cantos do meu ir e vir.


Meu corpo se fechou.


A tatuagem do meu vício e seus códigos estúpidos
dissiparam-se.
O seu bom senso nunca me vestiu bem.
A razão não é mais prisioneira do sentir.



O corpo não dissimula e a falta não é cretina.


Renovo meu abrigo
e sigo com
um sorriso descompromissado
e o corpo fechado.





Yve de Souza Thomé


(No meio de tanta teoria, um poema faz a gente respirar melhor)

6/15/2009

Livro-Objeto Multimídia ou Livro Multimídia Hipermidiático?

As discussões acerca das classificações das narrativas na web não são de hoje. Para engrossar o angu, vamos colocar em pauta 3 termos que usamos muito durante nosso projeto e que parecem hoje estar dentro do contexto de "agulha no palheiro", ou melhor (ou nem tão melhor), na REDE. Os termos serão: Livro-Objeto, Multimídia e Hipermídia.

Primeiro: Este (da figura) é um exemplo comercial do que podemos chamar de Livro-Objeto. O livro foi encontrado na lista dos melhores do ano de 2008 pela revista Crescer, ou seja, encontra-se classificado entre os "infantis".

Da editora Cosac Naify, é um objeto livro e um livro-objeto, ainda que "apenas" em papel, não deixa de ser de certa forma "multimídia" - aqui o segundo ponto.

R$ 35,00; capa dura;
48 pp.; 26,4 x 17 cm;
978-85-7503-263-3; 5.000 exemplares

de Peter Newell

Tradução: Alípio Correia de F. Neto

O formato inclinado deste livro nos dá uma pista do que o leitor irá encontrar ao abri-lo: um carrinho de bebê foge desgovernado ladeira abaixo, causando uma grande desordem por onde passa - atropela a moça que carrega uma cesta de ovos, derruba um pintor do alto de uma escada, passa pelo meio de dois homens com uma vidraça... Peter Newell marcou época na literatura infantil como precursor do livro-objeto, cujo formato traduz a ação da história. As ilustrações, que acompanham a linguagem rimada e divertida, lembram Nova York do começo do século XX, com forte inspiração nas telas de Hopper. Escrito em 1910, chega às livrarias em edição fac-similar. Um deleite para crianças de todas as idades.

E é por pensar que muitas coisas são multimídia, por extrapolarem o que o suporte tenderia a abarcar, que agora estamos em um impasse: será que um livro (mesmo que um livro-objeto já carregue esse sentido), pode ser tido como apenas multimídia? Será que multimídia não é pouco para as possibilidades que a web permite?

O processo "prossegue". As dúvidas vem. Ir não tem mais assento. Quer dizer, acento circunflexo. Temos que tomar cuidado para não nos fechar nos nossos círculos circunflexos de pesquisa e não pensar no que parece estar bem no nosso nariz.

O livro-objeto que propomos é multimídia e hipermidiático - nosso terceiro termo. Mas será que dizer tudo isso não é muito? Talvez pelo fato de ser um livro-objeto, ele não precise se dizer hipermidiático, pois a expressão consiste justamente em extrapolar o suporte, ou no mínimo, de usar as possibilidades que ele dispõe.

Uma das possibilidades da web é justamente a multimídia, então pra quê chamar o livro-objeto na web de multimídia? Quer dizer, isso foi logo com o computador... Mas o suporte isolado, depois que se desenvolveu através da ligação em rede entre esses computadores se tornou também hipermídia.

Os conceitos se entrelaçam e, acreditem!, não há uma convenção tão clara nessa rede... O que mais incomoda é que pensar em ciência é pensar em parcimônia, e assim eu diria que a experiência é fazer "apenas" um livro-objeto. Mas se não esclarecermos aos nossos orientadores que vamos fazer um livro-objeto multimídia na web (ou seja, hipermidiático), a experiência simplesmente fica no primeiro round, nocaute na criatividade, e "por que vocês não estudam um livro em vez dessa doidera toda?"

6/04/2009

Convite para tatuagem O LIVRO É O PROCESSO

Procura-se pessoa comum, de qualquer tamanho, de qualquer cor, gordo ou magro, feio ou bonito, feliz ou infeliz, macio ou grosseiro, tolerante ou ditador, afetuoso ou tímido, preguiçoso ou hiperativo, silencioso ou barulhento. Procura-se pessoa que não é comum, que se fabule através da imagem de si mesma. Que não possua medo algum de aceitar um convite para experiência puramente estética. Que se deixe ser narrado pelo livro e pela idéia de que o livro é o processo. Uma pessoa que não feche seu corpo, mas que se permita ser lido e interpretado por muitos, tal qual uma orgia, apenas no plano das idéias. Que tenha coragem para se permitir ir além da matéria ocupante de espaço e que transceda seu corpo ao elevá-lo a um caráter artístico. Que se deixe ser uma interface mediadora através do olhar do outro. O importante é ter coragem. O que importa é ter vontade de experimentar a escrita em si mesmo, que certamente se confunde com a escrita de si mesmo. Alguém que não tenha escrúpulos inibidores. Que se importe com o livro, sendo leitor ou não. Escritor ou aprendiz. Jornalista ou produtor. Professor ou aluno. São aceitos ignorantes, psicopatas, desempregados, com ou sem experiência. Não importa se é sua primeira marca. A marca será sua de qualquer forma.

Os progenitores desse projeto experimental convidam qualquer pessoa que queira ser tatuada com as palavras "O livro é o processo" na forma que o tatuado desejar fazer, no local em que quiser fazer, com a interferência que quiser, cometendo os atentados contra ou a favor do projeto que quiser. Estendemos o convite aos desavisados, aos descamisados, aos do PT ou do PSDB, a arte não tem partido. Seu coração não precisa estar partido, mas pode estar também. Aos carentes, aos amados, aos fortes e aos fracos. Aos gripados, seja gripe de porco ou de frango. Aos saudáveis, de mente ou ou apenas de corpo. Aos doentes, aos inquietos.

"Para todas as coisas, dicionário, para que fiquem prontas, paciência"

Para os leitores ou não. Para os pacientes e para os que esperam.
Ou seja, para todos.


Yve e Cind